quarta-feira, outubro 01, 2014

Pedro Ivo Carvalho: E quando o Porto passar de moda?


Sermos impositivos sem sermos provincianos. Sermos exigentes sem sermos inocentes. Sermos orgulhosos sem sermos preconceituosos. Sermos bairristas sem sermos gauleses. Sermos originais sem sermos ridículos. Sermos do Porto de cabeça em riste, porque ser do Porto é uma condição especial. É uma contínua declaração de amor. Só pode entendê-lo quem quer entender o Porto como casa. Ser do Porto não é ser melhor do que ninguém. Não é preciso. Todas as comparações são injustas. Ser do Porto é deixar a calçada encolhida de embaraço com os estados de alma que nos escapam da boca. Não é asneira, é franqueza. Vem do coração.
Ser do Porto é receber quem nos estima com um abraço caloroso, mas garantir um amasso vigoroso aos saltimbancos do desdém. Ser do Porto é também ser de Gaia, de Matosinhos, da Maia, de Gondomar ou de Valongo. É ser uno e unificador. É ser, mais do que um ponto final no término da palavra, como propala o novo slogan da cidade, um tremendo ponto de exclamação. Do tamanho dos Clérigos.
Há um ano, os portuenses escolheram um presidente da Câmara que, em tese, seria o mais improvável, por não emanar diretamente do aparelho partidário. Que exalava um certo perfume de independência, que fazia pontes com o "establishment" sem o formalismo tradicional, que aproveitava dos partidos apenas a parte benigna. Rui Moreira surpreendeu o país, o seu exemplo encheu páginas de jornais por todo o Mundo. Um ano volvido, os turistas continuam a aterrar em barda, inundando as ruas de cosmopolitismo, a cidade da cultura e do lazer começou a abrir-se a quem dela fugia. A constante tensão entre poder e cidadãos, que Rui Rio geriu tão habilmente em seu benefício eleitoral, parece esvanecer-se. O verde do antigamente deu lugar ao azul, a nova cor do Porto.
Na realidade, a maquilhagem gráfica da cidade melhora a sua aparência pública/publicitária, porque a torna moderna, como ela hoje se mostra ao mercado internacional, mas tem outro alcance. Não haja ilusões. O Porto não é uma marca de refrigerantes. Não é apenas com uma imagética algo vetusta que Rui Moreira pretende cortar. O presidente da Câmara do Porto quer apagar o passado, pelo menos uma parte dele.
A fórmula, não sendo matemática, é simples: é possível manter o rigor e austeridade dos mandatos de Rui Rio tornando a cidade mais amistosa, tornando-a, sobretudo, num protejo coletivo: da tradição à cultura, dos negócios ao desporto, da educação à coesão social. Tornando, no fim da linha, a cidade num espaço habitado - meta ainda por alcançar - e não deixar que ela se cristalize nos escaparates das agências de viagem.
O desafio do Porto, e de Rui Moreira, é este: viver para além do "hype" do momento, não ser só um panfleto da moda, bafejado pela varinha mágica das companhias aéreas low-cost. As modas, as marcas, passam. E o Porto tem de continuar a ser aquilo que sempre foi. Uma estátua viva ao espírito das suas gentes.
Publicado hoje, no JN




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