segunda-feira, maio 27, 2013

Pedro Santos Guerreiro: As Instituições


País, Estado e Nação não são sinónimos. República, democracia e política não são sinónimos. Habituados à estrutura, julgamo-la eterna. Mas todas as histórias acabam – e a História acaba nunca. Para servir o Estado não basta o melhor possível – em épocas como esta, tem de ser o necessário impossível. Não é fácil nem é leve – é o Estado. Temos instituições fracas por conveniência do sistema que nelas se auto-preserva. Eis o drama.

A qualidade das instituições é o que determina ou aniquila a prosperidade perene de um país. Essa é a conclusão do livro “Porque Falham as Nações”, já aqui citado. Instituições fortes protegem um Estado dos vícios e capturas de quem o lidera. Instituições fracas jazem aos pés de quem fica e excluem quem passa. A força dos poderosos que mandam contra as forças poderosas dos que desafiam. As nossas instituições vivem num situacionismo de conservação que tem projectado Portugal para o declínio. Económico. E social.

Portugal vive num sistema de poderes penetrável mas irredutível. Não é uma pirâmide, é, como lhe chamou uma vez Paulo Morgado, um mikado, em que as peças se amontoam, sendo impossível mexer numas sem tocar as outras – e assim se mantêm.


A Operação Furacão foi o primeiro ataque a este mikado económico. Um grupo de bancos vendia serviços de “optimização fiscal” a empresas, que terão lesado o Estado em milhões de euros em impostos. Centenas de arguidos, dezenas de notáveis, as maiores empresas do país, buscas, escutas, escândalo. O que aconteceu? As empresas pagaram os impostos e, nisso, o bilhete para a imunidade. O que há de pensar o país do seu Parlamento, quando foi esta instituição que, alterando o Código do Processo Penal, permitiu a escapatória ao Furacão? 

Que há de pensar o país do Banco de Portugal quando há um BPP e dos partidos políticos quando há um BPN? Que há de pensar o país se os seus tribunais não prendem por corrupção?
Que há de pensar um país de um Governo que vende por 7,5% amnistias aos seus homens mais ricos, para que legalizem o dinheiro que irregularmente tinham fora de Portugal?


É frustrante observar a incapacidade de combater este compadrio que muitas vezes não é corrupto, apenas complacente. Por isso é importante ter novas instituições como o Conselho de Finanças Públicas, que questiona o Governo antes de o mal estar feito. O INE e o Tribunal de Contas são respeitados, mas actuam a posteriori. Mas o Conselho de Finanças Públicas é importante porque tem Teodora Cardoso à frente, e são já notórias as forças políticas que tentam descredibilizá-la. Assim é com o Banco de Fomento, que o sistema instalado contesta, porque vai mudar a forma de distribuição dos fundos comunitários. O Banco de Desenvolvimento será tão importante quanto o primeiro presidente que tiver. Assim foi com Abel Mateus na Autoridade da Concorrência: as empresas tinham medo dele. Hoje não têm medo da Autoridade.

As pessoas importam porque fazem as instituições fortes e desfazem as fracas. E quem quebra o verniz, e às vezes os dentes, no fim perde sempre, é excluído. Paulo Morais, que saiu da Câmara do Porto, parece um maluco a falar de corrupção, ninguém o ouve. Teixeira dos Santos pode ter feito tudo errado mas quando apressou o pedido de resgate foi um homem de Estado. Como não baliu com o rebanho do PS, está proscrito.


A Presidência da República é o pináculo do sistema. É uma instituição respeitada mas, hoje, o Presidente tem a popularidade mais baixa de sempre. Não foi o insulto que arrasou a reputação de Cavaco, foi a reputação do Presidente que tornou possível o insulto. Não é preciso recuar ao que disse Soares, Galamba ou Sousa Pinto há semanas. Como escreveu Vasco Pulido Valente no mesmo dia em que Sousa Tavares comparou Cavaco a Beppe Grillo, “sozinho, completamente sozinho, o Dr. Cavaco Silva conseguiu arruinar a Presidência da República. A Presidência da República não tem hoje autoridade, influência ou prestígio”. O insulto não é o debate político aceitável, nem das elites nem contra elas, ele tem de ser civilizado. Ao mesmo tempo, foi vestindo de cores garridas um Presidente que se percebeu que o rei vai nu.

Comparar Cavaco com Soares é demasiado radical. Mas Eanes foi um Presidente essencial e corajoso. Sampaio teve coragem quando ela foi necessária, na mudança de Governo, e encheu os portugueses de orgulho na entrega do Nobel da Paz a Ramos-Horta e Ximenes Belo. Cavaco Silva não esteve sempre mal, ainda há dias foi aqui elogiado pelo papel na crise da coligação, mas neste segundo mandato, quando já não tinha nada a perder, perdeu o respeito de muitos.


Começou com o BPN. Na tomada de posse, fez um discurso arrasador a Sócrates, e esta coluna foi das únicas que o apoiou. Mal sabíamos que esse discurso precedia a apresentação do PEC 4, que o Presidente desconhecia – mas sabia que desconhecia. Como conta o livro “Resgatados”, de David Dinis, Carlos Costa ligou para Belém pensando que o assunto era lá conhecido, assim revelando-o. O Presidente, traído, fez um discurso dois dias antes vingando-se não só do passado (o uso do BPN nas eleições) mas do futuro (o PEC 4). Nesse Março de 2011 aqui se escreveu que o chumbo do PEC 4 era um erro que gerava “a crise política mais estúpida de sempre”. Assim foi.

Cavaco é um homem eleito pelo povo, líder de um povo mas súbdito da Nação que esse povo é. Está longe desse povo. Banalizou o Conselho de Estado. Fazer cordão policial ao Governo não é a melhor maneira de defender as instituições, é colocar-se entre o povo e elas.


As instituições estão inutilizadas pela tibieza de uns e capturadas por um  sistema que assim se preserva. O sistema de justiça permanece enredado e o sistema politico é intocável. O povo descrê. Quem lidera as instituições depressa alinha, desiste ou é mudado. O Estado é o seu estrado. Uma tábua. Um trampolim. Um pódio. Mas às vezes as circunstâncias mudam, fazem da tábua uma prancha num navio em alto mar e é então que os homens se revelam ou não competentes e corajosos. Portugal não é um lugar nem um grupo de pessoas. É uma Nação. Uma República. Uma democracia. Um país. Ainda é um Estado. E merece passar do declínio para a regeneração. Ainda que para isso seja necessário pôr pessoas em causa. É sempre.

[Hoje, no Jornal de Negócios]



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