terça-feira, outubro 02, 2012

Pedro Santos Guerreiro: Sitiados



O País não voltará a ser o mesmo. Mas precisa de reagrupar esforços, recuperar propósito, dialogar. A reconstrução tem de começar no local da destruição: no Governo. A crise política não está resolvida. E o primeiro-ministro ou remodela ou será remodelado.
A questão política é simples: o Governo tem de aguentar-se e nós temos de aguentar o Governo. Foi para isso que foi eleito e sem equívocos, com papel da troika passado. O PSD tem de governar, o PP coligar, o PS fazer oposição, todos com esmero. Não é um desejo, é a sua obrigação. Mas o Governo parece bloqueado, entre a inércia da máquina do Estado, a descoordenação política e a desmobilização de um primeiro-ministro que se tornou ele mesmo no problema. 

Não é possível recuperar a estabilidade social e política anterior a 7 de Setembro, mas é possível reatar pontos de contacto. A primeira coisa a fazer é esquecer a medida da TSU. Tal como ela foi apresentada, ela está morta e as três intervenções feitas na última semana (Moedas, Passos e Borges) mostram ressentimento e mau perder. É possível mexer na TSU - há anos que há políticas activas de criação de emprego com descontos da TSU, por exemplo - sem lançar uma luta de classes.


A segunda coisa a fazer é largar Passos Coelho num templo budista para que ele reencontre a humildade de outros tempos. O primeiro-ministro fechou-se numa torre de marfim, vitimiza-se na sua incompreensão, só ouve quem quer e não ouve quem critica. É um perigo habitual, o dos yes-men, os homens-sim. E Passos cismou. Cismou tanto que já não se percebe: Passos rodeou-se de homens-sim ou é ele próprio o homem-sim dos que o rodeiam? A terceira necessidade é de coordenação política. O Governo falha quando não se relaciona internamente, quando deixa que outros falem por si (e contra si), quando expõe o primeiro-ministro a recuos humilhantes.

O fim da linha é uma remodelação. Mas uma remodelação feita a pensar na gestão interna, não a pensar no equilíbrio entre o PSD e o PP, no equilíbrio entre barões do PSD, nem na imagem externa. A imagem externa vai ser medida por uma singeleza: se Miguel Relvas fica ou sai. Mas internamente, é preciso liderança e coordenação que têm falhado. Não pode haver um "lá dentro" e um "cá fora". É a partir de uma equipa forte e coesa que se faz política.É revelador que tenha de ser uma secretária de Estado do Tesouro, um lugar de tecnocrata, a falar de esperança. "Precisamos de esperança", afirmou ontem Maria Luís Albuquerque. "Vai ser difícil, não vamos poder voltar ao Portugal [de antes] mas, no final deste duro caminho, teremos lançado bases sólidas para a prosperidade futura de Portugal." Devia ser o primeiro-ministro a dizer isto, demonstrando porquê e assumindo erros em vez de culpar o País.

O que ameaça hoje o futuro do País não é a mobilização de desempregados é a desmobilização de empregados. Por causa dos impostos, das injustiças, da falta de crença. O mais terrível comentário às declarações de António Borges foi o de Fortunato Frederico, o maior dos empresários do calçado, a quem o País deve elogio: "Apetece desistir". É agonizante. Se as forças vivas começam a desistir não há futuro. É por isso que é preciso política. Para saber o quê e o porquê das nossas misérias. Para resistir. Para lutar. Para lutar é preciso justiça e equidade nos esforços. Não há. É preciso que o corte na despesa do Estado seja mais do que salários e pensões. Com a notável e dolorosa excepção da saúde, não é. É preciso desempregar clientelas partidárias e políticas. Não se faz. É preciso palavra e consistência política. Desapareceram.

O Governo sofre da paralisia política e orgânica. Uma remodelação pode não resolver nada, mas é melhor lancetar o que apodrece. Este bloqueio inerte sitiou o Governo numa contagem decrescente penosa para o Orçamento do Estado. E ou há governo a sério ou ele cairá. Não pode. Não deve. Não é aceitável.O ministro mais fragilizado não é o das Finanças, o da Economia, o dos Assuntos Parlamentares nem a da Agricultura. É o primeiro-ministro. Alguém tem de ter coragem para lhe dizer. E ele tem de ter coragem para ouvir, limpar a garganta, cerrar os punhos e dar o exemplo ao País: lutar. 

[Hoje, Jornal de Negócios]

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