quinta-feira, janeiro 26, 2012

David Pontes: Orion morreu, mas continua a brilhar


Com o avançar dos anos, o Facebook já não nos traz só as datas de aniversários dos amigos, às vezes vem interromper a paspalhice digital com notícias como a que recebi esta semana. O António Júlio morreu.

Num instante, as imagens percorreram o meu cérebro na busca da memória. Um Cadillac dourado, de cobertura branca descendo a Avenida dos Aliados, uma Harley-Davidson à porta de um bar e sempre a figura esguia do António Júlio, sorrindo, pleno de energia, acabado de chegar de Amesterdão.

Foram as festas góticas, os concertos, em bares e no Sá da Bandeira, a loja no Stop repleta de peças em segunda mão e, ainda não há muito, um Palacete Pinto Leite a transbordar com a excentricidade de “Moscow-Porto-Arte-Express”. E, claro, as imagens do castelo que estava a construir num local do interior que esqueci, onde marcamos encontros que nunca cumprimos.

O António Júlio, que também gostava que lhe chamassem Orion, era daquelas personalidades que dão sentido às cidades. Irreverente, insaciável na sua vontade de congregar vontades, levantar projetos, de se juntar a gente nova em que corresse essa energia tão própria do rock’n’roll. E sempre, apesar das suas vestes negras, do seu gosto pelo clã gótico, o sorriso, uma ânsia bem-disposta, um encontro de amigos.

Sendo único e irrepetível, o António Júlio tinha essa capacidade de saltar gerações, de ir contra a norma, de insistir, de criar diversidade tornando os nossos percursos urbanos mais surpreendentes. É a soma de vidas como esta, nas mais diferentes áreas, que fazem a riqueza das cidades.

Respondi ao Facebook com “I see a darkness”, de Bonnie “Prince” Billy. Fui ouvir a tua filha despedir-se de ti ao som de “Fascinação”: “Os sonhos mais lindos sonhei/ De quimeras mil um castelo ergui/ E no teu olhar, tonto de emoção,/ Com sofreguidão mil venturas previ.” Há bem pouco tempo ligaste-me. Deverias querer despedir-te. Ocupado, não te atendi à espera que voltasses a ligar, como normalmente fazias para me falar da última aventura. É horrivel saber que essa chamada não vai chegar.
[Hoje, no Porto 24]


[É uma felicidade quando na vida nos acontecem pessoas grandes. O António Júlio - para mim, Orion, herói e constelação -, era uma dessas pessoas enormes, únicas, dessas que andam na vida só para sonhar, e à força de tanto sonharem transformam mesmo o pó em ouro, o lixo em arte, os maus em bons. Que grande tristeza quando isto acaba. Obrigada, David. É por causa de pessoas como tu que, de vez em quando, é possível conhecer pessoas como ele.]

1 comentário:

  1. Conheci o Orion. A pior pessoa que já conheci: mentiroso, desonesto, egoísta e muito manipulador. Para além disso, aproveitou-se, é sabido, de muitas meninas inocentes. Tinha vários processos no tribunal e já foi procurado pela polícia da Interpol. Agora que morreu é um deus... Enfim...

    ResponderEliminar