quarta-feira, abril 20, 2011

Franz Kafka: Carta ao pai


"Tu, no fundo, és um homem bondoso e sensível, mas nem todas as crianças têm a perseverança e a coragem para procurarem tanto tempo até descobrirem o caminho da bondade. (...) Quando eu começava a fazer alguma coisa que não te agradava e tu me ameaçavas com o fracasso, o meu respeito pela tua opinião era tão grande que o fracasso era inevitável, ainda que só se fizesse sentir mais tarde. Perdi a confiança naquilo que fazia por iniciativa própria. Tornei-me inseguro, ficava cheio de dúvidas. À medida que eu ia crescendo, cresciam também as objecções que fazias para provar a minha insignificância, e a pouco e pouco passaste mesmo, de certo modo, a ter razão. Longe de mim, uma vez mais, afirmar que só me tornei assim por tua causa; tu limitaste-te a agravar o que eu já era, mas agravaste-o muito, porque tinhas um enorme poder sobre mim e aplicavas nele toda a força. (...) Entre mim e ti não chegou a haver propriamente luta, eu fiquei fora de combate em pouco tempo, e o que me restou foi a fuga, a amargura, a tristeza, o debate interior.

(...) Não é absolutamente necessário voar e entrar pelo sol adentro, basta rastejar até um lugarzinho limpo nesta Terra onde de vez em quando o sol brilha e nos podemos aquecer."

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