terça-feira, março 01, 2011

Ivan Turguéniev: Solo virgem


Estranho era o estado de alma de Nejdánov. Nos últimos dois dias, tantas sensações novas, tantas caras novas... Pela primeira vez na sua vida entrara em contacto íntimo com uma rapariga, que - em toda a probabilidade - amava. Estava presente no início de um movimento, ao qual - em toda a probabilidade - dedicaria todas as suas forças... E então? Estava contente? Não. Hesitava? Tinha medo? Estava confuso? Oh, claro que não. Sentia ao menos aquela tensão em todo o seu ser, aquele anseio de estar à frente, nas primeiras filas da luta, que é causado pela aproximação da batalha? Também não. Acreditava realmente na sua causa? Acreditava no seu amor? "Oh, maldito esteta! Céptico!", murmuravam inaudivelmente os seus lábios. Então, porquê este cansaço, este desalento até para falar, excepto para gritar de raiva? Que voz íntima queria ele abafar com esses gritos? Mas Marianna, essa rapariga deliciosa e fiel camarada, essa alma digna e apaixonada, essa maravilhosa rapariga, não o amava realmente? Não era efectivamente grande aquela felicidade que encontrara nela, que merecia a sua amizade e o seu amor? E aqueles dois seres que iam agora à sua frente, Markélov, Solómin, que ainda conhecia tão pouco, mas por quem se sentia tão atraído - e não eram eles excelentes tipos do povo russo, da vida russa, e não era só por si uma felicidade conhecê-los e ser íntimo deles? Então porquê aquela sensação vaga, intranquila e atormentadora? Porquê aquela tristeza? Sendo um sonhador tão melancólico - de novo os seus lábios murmuraram - que raio de revolucionário poderia dar? Devia era escrever versos, ficar amargurado, cultivar as suas manias psicológicas e subtilezas de todos os géneros, mas não confundir a sua irritabilidade doentia e nervosa com uma raiva de homem, com a fúria honesta e de um homem de convicções! Oh Hamlet, Hamlet, príncipe da Dinamarca, como escapar à tua sombra? Como deixar de te imitar em tudo, até na própria depreciação?
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(...) É caridade recolher os pobres e os aleijados. Mas permita-me que observe: viver luxuosamente e não fazer mal a ninguém, mas não erguer um dedo para ajudar o próximo... não significa que se seja bom. Por mim, sinceramente, não dou grande apreço a esse tipo de bondade. 

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