domingo, outubro 31, 2010

Canção do desejo irrealizável e indefinido


Canto de vozes distantes,
O meu desejo murmura
As confissões de loucura
dos amantes...
Estranhas, doridas vozes!
Estão em mim ou no vento?
Os invisíveis algozes
do sentimento...

O clamor do meu desejo
vem de longe, vem do fundo,
vem do universal cortejo
dos que sobraram no mundo...
Vem do chômage ou do gheto,
Surdo marulho medonho
dos sem trabalho do sonho,
desocupados do afecto...
Maré montante de vazas
onde em confusa cohorte,
Boiam os corpos sem asas
dos que têm fome de sorte.

Vem dos desastres, do anseio
das coisas nunca alcançadas;
de tudo o que fica em meio,
das renúncias obrigadas.
Canção de cativos, rouca,
rouca e afogada em absinto;
antes de atingir a boca
morta na noite do instinto.

Cantiga longínqua, vaga,
mais sentida do que ouvida,
murmúrio, soluço ou praga
que sobe da própria vida.

Apolonio Hilst

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