quinta-feira, agosto 26, 2010

Epílogo

Esgotaram os cigarros, o whisky, a paciência e as palavras. Choraram. Discutiram até ser dia. Os gritos batiam na janela como pássaros presos, assustados, espalhavam-se pela sala e, finalmente, caíam, cansados, no chão. As sombras dos móveis, dos objectos em cima dos móveis, ganhavam vida, mexiam-se com lentidão como fantasmas com medo. Escutavam, nas intermitências do silêncio, o pulsar do coração, o ranger dos dentes, a gelatina nas mãos. A crueldade a saltar das órbitas. O crepitar do fogo a queimar o passado em fotografias. Milhares de fotografias que lhes haviam forrado, aquecido os dias. Carpinteiros amadores a tentar reconstruir a vida fora do sonho enquanto o amor se despedaçava. A decalcar memórias que estão por vir em cima de memórias tatuadas por baixo da pele. Por dentro da carne. Perderam as certezas como quem tira e atira para longe a roupa. Rasgaram tudo. Embebedaram-se na dor, nas feridas reabertas uma e outra vez. Já não te amo, anunciou na escuridão. E na escuridão arrastou-se até à porta, chave na mão, na mala um esquecimento para decorar e exercitar. Um suspiro sustido desfez-se em choro. A lâmina da separação é a vertigem do não retorno. Apesar da viagem estar arquitectada desde o início. Como é que se asfalta um futuro quando tudo definhou e evoca o fim do caminho?

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