segunda-feira, julho 05, 2010

Philip Roth: O complexo de Portnoy

O essencial da obra de Philip Roth dividia-se em duas metades: a primeira, antes de 2000, sobre a América - Pastoral Americana, Casei com um comunista e A Mancha Humana -; e a segunda, depois de 2000, sobre a velhice - Animal moribundo, Fantasma sai de cena e Indignação. O resto (com uma excepção) não conta, porque é menor. Uma nova edição da D. Quixote de O complexo de Portnoy, exposta nas livrarias como novidade, mostra que nos escapara um livro que não fazíamos a mais pequena ideia que existia, embora exista desde 1969. Sendo impossível integrá-lo em qualquer uma das duas metades anteriores, remete, no entanto, para O Teatro de Sabbath (1995), criando uma terceira parte para a literatura Rothiana: o sexo (ainda que o sexo esteja nos outros também, mas nestes está mais - e mais explicitamente). A voz de Mickey parece a de Alexander e vice-versa. A diferença é que Alexander, advogado, mais novo que Mickey - um tem 33 e o outro 64 anos -, é muito mais hilariante, tanto que nos leva para uma viagem muito anterior. Leva-nos até Adrian Mole e os seus diários secretos escritos por Sue Townsend. E só quem leu aquilo em plena adolescência pode entender a desilusão que é descobrir que Adrian Mole é uma criação de 82 e Alexandre Portnoy de 69. Porque fica sempre a dúvida da, vá lá, fonte de inspiração. Adiante.

Portnoy, tal como Sabbath, é mais do que sexo. Em ambos os casos, está um indivíduo a braços com uma crise existencial a questionar as normas e as convenções da sociedade, da família (judaica, no caso), da religião. Neste caso, sentado no divã do psiquiatra, num longo, às vezes comovente e cómico monólogo. Mas sempre cheio de links para uma verdade maior: a da hipocrisia e das vidas falsamente felizes, desenhadas a régua e esquadro para caberem na forma onde é suposto todas caberem. Não é uma proposta de libertação, é antes uma digressão de reconhecimento pelas amarras impostas desde a infância. E de como elas se perpetuam. E travam tudo. E sendo irónico, ácido, quase cruel, é uma reflexão espantosamente actual.

"Por amor? Que amor? É por acaso o amor que une todos esses casais que nós conhecemos - os que ainda se dão ao trabalho de estar unidos? Não será algo mais parecido com a fraqueza? Não será antes o comodismo, a apatia e o sentimento de culpa? Não serão antes o medo, a exaustão e a inércia, a pura e simples falta de coragem, mais, muito mais do que esse «amor» com que eternamente sonham os conselheiros matrimoniais, os cançonetistas e os psicoterapeutas? Por favor, deixemo-nos de tretas, não vale a pena andarmos a iludir-nos sobre o amor e a sua duração. E por isso eu pergunto: como é que eu posso casar com alguém que «amo», sabendo perfeitamente que dentro de cinco, seis, sete anos vou andar por aí pelas ruas à caça de carne nova - enquanto a minha esposa dedicada, que construiu para mim um lar tão acolhedor, et cetera, resiste estoicamente à solidão e ao abandono? Como é que eu poderia enfrentar as suas lágrimas terríveis? Não poderia. Como poderia enfrentar os meus filhinhos adorados? E depois o divórcio, não é? O sustento dos filhos. A pensão de alimentos. Os direitos de visita. Belas perspectivas, belíssimas."

E os finais. Sempre os finais terríveis de Roth!

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