domingo, abril 25, 2010

Porto: a prima freak do país

O Porto é Contemporâneo. É Arquitectura. É o Siza Vieira e o Souto Moura, o Soutinho e o Távora. A famosíssima faculdade de vanguarda, também nas Belas Artes. O Porto é Arte. É Serralves, a singular Bombarda, a Árvore. Era os Ateliers da Lada. O Porto era um Instituto Português de Fotografia com uma Teresa Siza lá dentro. O Porto é Moda. O Buchinho e o Baltazar, a Gambina e a Xiomara. É o Citex, a escola de referência. O Porto é Música. A Casa inventada por Pedro Burmester e magnificamente desenhada por Rem Kolhaas, a Orquestra Nacional e o Remix Ensemble.

O Porto é Teatro - e era teatro. Era a cidade com mais companhias por metro quadrado, tantas e tantas saudades: do Plástico, do Só, do Ferro, das Boas Raparigas, do Pé de Vento, da Visões Úteis, do Bruto. O Porto era um Teatro Municipal Rivoli, antes de o Rivoli ser o Teatro Privado La Féria. Era um Rivoli com dança contemporânea, com novo circo, com teatro independente, com tudo o que era experimental. O Porto era Isabel Alves Costa, que o dirigiu e inventou o festival de marionetas. O Porto é um Teatro Nacional São João (que já teve um Ricardo Pais, o que faz toda a diferença) e um Teatro Carlos Alberto (que já teve um Nuno Cardoso, o que também faz diferença). É um resistente Teatro do Bolhão.

O Porto é pouco Cinema e continua sem cinemateca, vá lá perceber-se porquê. É Manoel de Oliveira sem casa, que a casa do cineasta foi abandonada antes de ter sido sequer inaugurada. É agora um esforçado Nun'Álvares. É o Fantas e, ao lado, as Curtas de Vila de Conde. O Porto é a Universidade, a maior do país - em número de alunos, de faculdades, de cursos. O Porto é Ciência. É um notabilíssimo IPATIMUP, um insubstituível Sobrinho Simões.

O Porto é uma inesgotável vida nocturna, cujo parto demorou seguramente mais de nove meses, mas que agora parece existir desde sempre. É o Passos Manuel, o melhor bar do mundo e os outros 500 que abriram entretanto. O Porto, não me lixem, também é o grande FCP!

O Porto era A Cidade!

Há dez anos, o Porto era definitivamente A Cidade. Mais do que apetecível. E confortável. A cidade que sabia e antecipava a cultura do mundo. E crescia. A cidade onde tudo era possível. Onde era bom trabalhar, melhor viver. A cidade de mil intercâmbios. A cidade criativa, tem razão Cavaco Silva. Hoje, o Porto é a prima freak do país. A prima a quem todos acham graça, com quem é bom partilhar uns dias, mas a quem ninguém inveja a vida. A prima criativa, louca, resistente, sim Cavaco, mas a prima pobre. Sem perspectivas, sabe-se lá com que futuro. Hoje, o Porto é a cidade de onde a maioria - não só os cérebros, cuja fuga Mariano Gago diz estar a travar - é obrigada a sair. Para os subúrbios. Para Lisboa. Ou para o mundo. Para não morrer. Em 2009, a fuga foi a um ritmo de 16 por dia! São mais de 20 mil desde 2001! Em 2008, o Porto era a cidade mais pobre da Península Ibérica e uma das mais pobres da União Europeia. O distrito concentrava, sozinho, 45% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção. E o cenário não há-de ter melhorado.

O primeiro e rude golpe foi dado logo justamente no fim de 2001, quando Rui Rio chegou ao poder e decidiu cortar, se bem me lembro, 60% no orçamento para a Cultura. "Quando ouço falar de cultura, puxo logo da máquina de calcular", disse. Foi o princípio do fim, embora obviamente nem tudo o que depois se seguiu seja culpa dele. Mas o verbo Ser no pretérito imperfeito deve-lhe muito. Já a cidade que agora começa a renascer - e é bom que se diga isto - deve muito pouco, muito pouco mesmo, se não mesmo nada, a este presidente de Câmara. E tudo o que a cidade tem de bom não compensa o que tem de mau - a falta de emprego ou de empregos melhores. Ficar é quase uma acto suicida!

Por tudo isto, o discurso de Cavaco Silva, hoje, não poderia ter sido mais intrigante. O Porto metido ali a despropósito no discurso do 25 de Abril. Não sei se percebi. Foi um alerta sobre o hiperbólico centralismo que existe neste país?! A denúncia de que tudo o que não é Lisboa é periférico?! Foi a tentação de citar o exemplo de uma cidade que, tal como o país, "acumula dúvidas sobre o futuro", muitas, mas mantém-se como "pólo internacional de criatividade e conhecimento"?

Disse o Presidente da República que no Porto existe "muito do melhor que Portugal fez nas últimas décadas". Que o Porto é "uma cidade que dispõe de todas as condições para ser um pólo aglutinador de novas indústrias criativas", nomeadamente ligadas à moda, design, cinema, teatro, informática e à comunicação. Que uma "aposta forte dos poderes públicos, conjugada com a capacidade já demonstrada pela sociedade civil relativamente a projectos culturais de referência, poderão fazer do Porto e do Norte uma grande região criativa, sinónimo de talento, de excelência e de inovação". Terminou dizendo que "só falta mobilizar esforços para transformar o Porto e o Norte numa grande região europeia vocacionada para a economia criativa e fazer desse objectivo uma prioridade da agenda política".

O problema é que no Porto, no Norte, há muita sociedade civil e muito pouca aposta dos poderes públicos. O problema é que todos os discursos inconsequentes são ridículos. E por muito que doa a quem cá está, é demasiado fácil adivinhar o futuro. O desenvolvimento do Porto não fará parte da agenda política. O Porto é hoje a cidade solitária que ninguém gostaria de deixar... se fosse possível não a deixar.

4 comentários:

  1. Bom Dia

    O Porto tambem é (por exemplo) Museu Nacional de Soares dos Reis, mas...

    Nunca ninguém se lembra.

    Porque será?

    AM

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  2. Parece que o Museu Soares dos Reis não sabe como fazer-se lembrar...
    Serralves, e o seu comportamento pouco decente com os trabalhadores, começa a correr o risco de ser "deslembrado".
    O Teatro S. João está já no início de um certo abandono das memórias.
    Para já, resta a Casa da Música. Até quando restará?

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  3. O que a maioria dos portuenses (e portugueses)não sabe (pois ninguém lhes diz ou lembra (atenção srª jornalista) é que Serralves recebe mais verbas do Estado (Nossas) do que a TOTALIDADE dos Museus Nacionais da rede de Museus do Estado e, depois, ainda é (era) referido como um bom exemplo da gestão PRIVADA !!!

    A Casa da Música irá (receio bem) por caminho semelhante e acho fantástico ninguém se ter (realmente) indignado com a abertura lá de uma loja de telemóveis :-O

    Voltando ao MNSR, é sintomática a quantidade de informação que tem por aí andado ultimamente à volta da exposição retrospectiva de Nadir Afonso recentemente inaugurada no Museu Soares dos Reis.

    Será que se a comissária da exposição fosse outra, não casada com um "barão" da C. Social (E.Rangel) haveria tanto interesse e tanta divulgação pública?

    Penso que a Helena saberá responder...

    AM

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  4. Não sei o que pensa o país (ou o Estado, com quem quero cortar relações, embora ele não), mas muitos lisboetas gostavam que a prima fosse uma irmã e vivesse mais perto.

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