quinta-feira, abril 22, 2010

Maybe someday when we're both looking out the window, we'll find each other.


Entraram como um ariete pelo peito um do outro. Foram a Viena ver o Klimt, porque ela gostava muito. Do beijo dele também. A Amesterdão ver o Van Gogh, os girassóis todos. Foram apanhar vento à Ericeira, ao Alentejo contar estrelas. Foram a Roma colocar um cadeado num candelabro. Juras de amor, como os adolescentes. E à Tailândia pedir a Buda para ser para sempre. Voaram para os Açores, aterraram numa casa no Pico em frente ao mar, amaram mil vezes por dia. Leram poesia em voz alta no colo um do outro. E foram a Londres e a Paris. E à Índia. Porque o que queriam era viajar juntos. Deram a volta ao mundo em muito menos de 80 dias. Mas de mãos dadas. Estavam nas nuvens, não olhavam para baixo, nada os faria cair. E sorriam, sorriam sempre, sorrisos tontos, patetas, apaixonados.

Ouviam Malher e Mozart. E cantavam um para o outro. Peter Murphy a confessar: with one look i was yours. Macy Gray a confirmar: i believe that fate has brought us here, and we should be together. Ressuscitavam a Cassia Eller: quero poder jurar que essa paixão jamais será apenas palavras. Leram juntos Camus e Stendhal, Roth e Seth. Colocaram os poetas todos ao serviço daquela paixão que os consumia imprudentemente, porque a prudência, dizia ele, é para os maricas: o Eugénio e a Sophia, o Herberto e o Belo. Ignoravam as incompatibilidades, viam futebol juntos e cinema quase mudo. O do Oriente, o mais belo. Assistiam ao silêncio e ao pôr-do-sol. E tagarelavam sobre tudo. Falavam de lealdade com vaidade, com verdade construíam cumplicidade. Uma ilha. E trocavam fotografias. De tangerinas, de rebuçados, de flores. De corpos nus. Os deles. Fotografias que viam de meia em meia hora. Às vezes, de três em três minutos. Completa, absoluta e radicalmente apaixonados.

E quando não estavam juntos, acordavam a dedilhar os lençóis da cama onde o outro não estava. Esperavam que a noite de ausência acabasse depressa. Desesperavam de saudades. De urgência um do outro. Tinham ataques de ansiedade. Entravam em síndrome de abstinência. Ela acordava de hora a hora a empurrar as horas para ser dia. E de hora a hora, quase sempre encontrava sinais dele. E o dia só começava quando ambos, onde quer que estivessem, acordavam. Ele escolhia os boxers a pensar nela. Ela escolhia tudo a pensar nele. Como um vício, como uma febre dos fenos, com loucura. Parecia tarde para voltarem atrás. Era tarde. Para quase tudo. Também para andarem para a frente. Mas essa fronteira ainda era desconhecida, rejeitada pela pele.

Ele comia ostras como se lhe saboreasse o sexo. Devagar. Ela engolia o vinho como se lhe sugasse o veneno. Depressa. Fósforo e lixa. Tempestade tropical. Corriam na chuva quente, mão na mão, ela encharcada, ele beijava-lhe a face molhada, o corpo molhado. A tremer, a rebentar de desejo. Levantava-lhe o vestido, faziam amor ali, onde calhava. No sofá, no chão, à lareira. A meio da noite. Até ser dia. Deitavam-se na praia, o sol por trás das costas dela enquanto ele a penetrava uma e outra vez. Em câmara lenta. Ela era a cinderela, a princesa, a mulher da vida dele. Ele era o super-herói, o cavaleiro branco, o homem da vida dela. A cereja e o esquilo. Ela pedia-lhe cautela com as palavras. Ele dizia-se acautelado. Escreveram um livro inteiro só com declarações de amor definitivo. Estou apaixonada como poucas vezes na vida, ela. Nunca amei uma mulher como te amo a ti, ele.

Os pés que prometeram manter colados ao chão com cimento ganhavam asas, ficavam leves como plumas, planavam. Nascia-lhes um sentimento de pertença, delicioso e quente, ridículo e injustificado. Não eram um do outro. Ele beijava-a ininterruptamente nos olhos para que os olhos não abrissem, não vissem, cegava-a para que não acordassem daquele sonho. Dizia-lhe que não era preciso saberem todos os nomes de todas as coisas para saberem que nunca mais iriam separar-se. Queriam ter duas vidas, sete como os gatos, mil como os deuses. Uma só não chegava para o tanto que tinham para dar.

Abraçaram-se pela primeira vez na praça de Moscovo. Aquele abraço mudo, inadiável, tão forte, tão sentido. Perfeito. O abraço que muda uma vida. O cheiro fundido, o coração de um a bater no peito do outro. Um hálito a terramoto. E depois os mesmos braços, nus, entrelaçados até às pernas, reflectidos no espelho. Os corpos embaciados, cansados, aturdidos, felizes das voltas na montanha russa. De tocar como se fosse a primeira vez, a última vez, a única vez.

Descobriam-se com alegria e com medo. De se terem e se perderem. Ela queria esquecê-lo desde o início, antes que perdê-lo pudesse doer. Ele dizia-lhe que ia fazer tudo todos os dias para que ela fracassasse nesse esquecimento. Um dia, ela escreveu-lhe uma carta de despedida. Ele não a recebeu, mas acordou a chorar. Não vás embora, pediu-lhe. Morreria se não tivesse rasgado a carta, respondeu-lhe ela, ensinada por ele a perder o medo e a guardar só a alegria. De se terem. Não iam perder-se. Não iam. Não podiam.

A que horas se transforma a carruagem de volta em abóbora?

Cedo. Perderam-se.

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