domingo, janeiro 10, 2010

Apagão

É como se a bússula tivesse avariado, todas as lâmpadas fundido, o caminho desaparecido. Há feridas cíclicas por cicatrizar, tantas metas arrumadas sem cortar, o sangue sempre na primeira sala, o peso do mundo nos pés. Desistir devia estar à distância de um interruptor. Habituei-me a não falar como me habituei e não ir ao supermercado. A cabeça na almofada, o corpo no chão, a lareira acesa, a vida dormente, zigue-zague entre o medo e o medo. Sono desajustado, pesado, a qualquer hora. Deixar tudo para trás, lançar pessoas ao mar como quem liberta pesos de um navio a afundar. Um balão a esvaziar. Não nasci para vestir fato, para sorrir, para dançar. Para beber cerveja. Para celebrar a vida. Liberdade de prazeres solitários: um piano, uma tela, um livro, o mar. E o bosque. Não querer não acrescentar nada ao mundo, o desejo de ser invisível. Sempre a fugir, sempre a apagar. Ando à procura do que esqueci. Dos sonhos. Da certeza que chegaria lá, cá. Mas se até da voz me esqueci. Nevou na cidade e não fosse a televisão com as notícias obsessivamente em loop e não saberia. Também foi asssim com a trovoada antes do Natal. E com o terramoto. Não ouço nada, não vejo nada, não sei nada. Aprisionada em cento e cinquenta metros quadrados de alienação. Quando foi que tudo perdeu a piada?

Sem comentários:

Enviar um comentário