segunda-feira, agosto 31, 2009

100 dias de I

Estávamos no Alentejo quando o I saiu pela primeira vez. De férias, a estadia naquela casa sem televisão era o melhor lugar para testarmos o novo jornal. Combinámos que enquanto lá estivéssemos, o I seria o nosso único jornal. Eu, mal o tive nas mãos, comecei logo a procurar-lhe defeitos. Não suportei a ideia de não terem trabalhado um "exclusivo" para a manchete do primeiro dia, menos ainda de não terem uma reportagem multimédia para apresentar. E, claro, aquela dedicação toda a Lisboa (os contentores) num jornal que é apresentado como nacional, pareceu-me claramente desajustada. Ao contrário, o Miguel, quando o viu, teve logo uma espécie de epifania: amor à primeira vista. E lá dissertou sobre as perpectivas, sobre edição e fotografia e isto e aquilo. Não me convenceu. Só conseguimos concordar numa coisa: o jornal era, e é, de facto, bonito. E na praia, factual, o I foi sempre o único sobrevivente.

Ao segundo ou terceiro dia, quebrei as regras: comecei a comprar também os outros jornais. Aquele, o I, está bem, podia ter alguma piada e tal, mas não me chegava, não me preenchia. Aliás, aquela pretensão de editarem a actualidade por mim irritava-me profundamente. E o défice de política em ano de eleições parecia-me um erro crasso. Nos primeiros tempos continuei tão indecisa como no primeiro dia. Disposta, claro, a não facilitar a vida à entrada daquele jornal na minha vida.

Depois, o tempo passou. E o I começou a publicar entrevistas, entrevistas boas, a não ter pudor de fazer manchete com elas, começou a marcar a agenda, a cobrir política por antecipação, a encontrar ângulos diferentes, novos, a investir em histórias que os outros jornais não dão. Furos, vários. Mesmo naquelas triviais páginas de consulta, começou a publicar uma coisa em que sou viciada: os melhores diálogos do cinema. E agora, em pleno Verão, quando todos os jornais vão de férias sem ir (antes fossem!), o I começou a galopar pelo meu tempo de leitura. Em vez de adormecer literalmente à sombra da bananeira, trabalhou a época balnear com seriedade, como se fosse Janeiro ou Setembro. Em vez de dar inquéritos de Verão, publicou uma colecção de entrevistas de fundo (e quando os entrevistados são bons, pouco importa que algumas perguntas não sejam brilhantes); e em vez de dar patetices inúteis, recuperou os 30 escândalos que ameaçaram Portugal. E isto sim, é jornalismo. Para mim, pelo menos, que gosto de encarar o jornalismo como uma disciplina cuja função é ensinar e não distrair.

E pronto, quando dei conta, estava enredada no I. Dei o braço a torcer. Hoje, o Miguel chegou cá a casa todo empolgado com o seu I em miniatura. Como se ele fosse o troféu por ter apostado desde o primeiro dia que o jornal ia ser bom e marcar a diferença. Contámos a colecção que temos na mesa da sala, e que semana após semana sobrevive à limpeza de domingo: em 100 exemplares temos 70. 70 jornais empilhados a regra e esquadro como se fossem uma instalação.

domingo, agosto 30, 2009

O Porto chama por ti

[Foto: Pedro Ferreira]
"O Porto chama por ti". O slogan lê-se aqui e ali, num ou noutro tímido cartaz da cidade. Numa cidade a sério, este slogan seria levado a sério, cumprido à risca, ancorado num programa sustentado, transformando o Porto numa paragem obrigatória de Verão. Não é, como se sabe, isso que acontece. Aliás, até hoje nunca tinha percebido muito bem o que este slogan pretendia anunciar. Mas ontem, superando o pouco-mais-do-que-nada do slogan, lá decidi ir a um dos raros acontecimentos que Rui Rio não abortou com a sua máquina de calcular: as Noites Ritual.

Fui lá única e exclusivamente para ver o concerto dos Blind Zero [na foto]. Mas quando lá cheguei, ao futuro ex-Palácio de Cristal, tive uma sensação que há muito tempo não me invadia: não exactamente a de que é bom viver no Porto, mas a de quão seria bom viver no Porto se o Porto tivesse um presidente de Câmara com noções básicas do que é imprescindível numa cidade de média dimensão. O Palácio, ou o Pavilhão Rosa Mota, ou o embrião de um centro de congressos, estava ali, vivo, apinhado de gente, a fervilhar numa noite anormalmente quente. Foi quase bonito.

Quase tão bonito como o dito concerto que lá me levou. O concerto dos Blind Zero (esqueça-se um Miguel Guedes de cabelos fartos a cantar à Eddie Vedder e substitua-se o personagem por um sonhador Jeffrey Beaumnont subtraído ao imaginário de David Lynch) começou ainda antes de começar: ouve-se Blue Velvet, Blue Star cantado por Isabella Rossellini, ela ali naquela voz erótica a dizer que guardará sempre na memória o veludo azul dos olhos, do vestido, daquela noite, que o guardará sempre ao longo dos anos através das lágrimas, e começamos a imaginar que estamos nos anos 60 e que a qualquer momento poderá irromper pelo palco uma cantora de cabaré, um Dennis Hopper sádico, uma orelha humana esquecida no chão. Nada disso aconteceu, mas com aquele início, aquele concerto só nos poderia levar muito longe. E levou. A Luna Park. Tal como no filme, ali também existiram duas histórias: uma que (ou)vimos e outra que apenas sentimos. O thriller e o conto de fadas.

Depois, houve ainda Mão Morta, concerto político como aquela noite merecia. Adolfo Luxúria Canibal, inconfundível, certeiro, a reclamar a propriedade do Palácio para a cidade. E fomos outra vez dar a Lynch: "It's a strange world." É estranho o mundo criado por Rui Rio, o verdadeiro sociopata do filme.

À espera do super-homem

A cartada definitiva haveria de ser jogada no último dia, o último de três improváveis dias passados a voar. Literalmente. “Fiz-te uma pergunta mas não precisas responder. O caso é sério, não é?” Retórico, Wayne Coyne, vocalista dos efabulatórios Flaming Lips, acabara de invadir, indiscreto, uma das 20 mil hirtas histórias da oitava edição do Festival de Paredes de Coura, no bucólico Minho, na fronteira do milénio. E sem dó nem piedade, sintetizara-a, aos gritos, esborrachando um coração quase vivo na cara, enquanto a desmascarava: “Digam a quem está à espera de um super-homem que ele ainda não desceu, mas vem. Esta é uma boa altura para ele sair do sol em direcção ao céu”. Prognóstico testemunhado num concerto onde o adjectivo “inesquecível” nunca viria a morrer, apesar da overdose.

(Aviso prévio à navegação: É uma história de amor. E de fadas. De teletubbies e balões. E de estrelas cadentes consumidas a meio da noite como uma droga dura. E de tudo o que fará sempre daquele festival, como haveria ser escrito, “um santuário sem Deus, onde o sagrado sorri à passagem do profano. Um local onde a crença vive em eterna suspensão e onde os devotos sabem que a homilia não dura para sempre”.) Não durou.

A coxa de frango, gordurosa, alarvemente sacudida com mãos de chocolate e dentes alvos, era só uma das inúmeras calorias espalhadas pela mesa de plástico espetada no chão de terra, que a concentração do olhar dele não chegaria a deglutir na antecâmara do concerto. Lentamente, ela aproximou-se como quem pede desculpa por trilhar o soalho crocante de um salão onde decorre uma cerimónia ininterrompível. Avisado pela sombra assustada de um corpo escondido dentro de uma túnica branca, ele apressou-se a empurrar o galináceo de churrasco com um golo de Super Bock e apresentou-se. Ela também. Obrigados a trabalhar juntos no festival, haveriam de confessar mais tarde os inúmeros preconceitos Norte-Sul que hospedavam na mala para disparar à testa um do outro ao menor indício de contrariedade. Embora não tivesse havido contrariedade. Até os Coldplay, vaiados pela multidão, lhes pareceram "ter cumprido à risca o que deles se esperava." O Público foi o único jornal a prever que eles seriam "os novos meninos bonitos da pop-britânica". As 20 mil pessoas que cuspiram garrafas de plástico para o palco haveriam de concordar quatro anos mais tarde.

Alienado, o promotor do evento, parco em estadias, perguntava, esperançado, ainda no primeiro dia, noite: “São namorados, não são?” Tinham 72 horas para se entenderem ou desentenderem. Não tinha que ser para sempre. “Não”, apressaram-se a responder, sintonizados. “O que é esta luz a brilhar à tua volta? Deriva de alguma química? Se é natural é porque alguma coisa dentro de ti terá chegado. O amor é o lugar que tu desenhas.”, insistia Coyne, cúmplice, visionário, afogado em milhares de confetis, erguendo, no meio do absolutamente mágico e pouco conhecido "Soft Bulletin", uma versão de cristal de "Somewhere over the rainbow" de “O feiticeiro de Oz” para atenuar o frio daquela noite.

"Se vocês casarem, eu quero ser o padrinho", sorria o promotor do melhor festival de Verão português. Se eles tivessem casado, ele teria sido o padrinho. Mas o último dia do festival seria apenas o princípio de uma viagem da qual não acreditavam ser possível regressar. A menos que um dia se resignassem e acreditassem que tudo não passara de um sonho. O conto só seria de fadas se fosse para sempre?

Teremos sempre Flaming lips.

Waiting for a superman

Em Londres: 10 de Novembro!!!

Saudades. Saudades. Saudades.









sábado, agosto 29, 2009

sexta-feira, agosto 28, 2009

MST: my guilty pleasure?

Quem odeia Miguel Sousa Tavares (MST) vai amar a entrevista dele a Carlos Vaz Marques publicada na Ler deste mês. Da pequena colecção de entrevistas realizadas recentemente a propósito do quase romance No teu Deserto, esta é claramente a melhor. Aliás, é a única realmente boa. Mas quem odeia MST vai amar esta entrevista porque, por uma vez rara, é possível vê-lo ali a patinar em alguns campos. Sobretudo, justamente, no da literatura. Quem não gosta dele, poderá encontrar ali farto material para poder dizer o que tentam dizer-me mais vezes do que aquelas que tenho paciência para ouvir: "Estás a ver?! Eu não te disse que o gajo tem a mania, mas não sabe nada?!"

Numa conversa conduzida com invulgar perfeição, MST é obrigado a confessar (para o que isso valer, claro!) que nunca leu Ulisses, de James Joyce. Aliás, nem Joyce nem Faulkner, indiscutivelmente dois dos maiores escritores do século XX. É confrontado com a sua insistência em Marguerite Yourcenar (já toda a gente o terá ouvido referir, pelo menos uma vez, as Memórias de Adriano como exemplo maior do que a boa literatura deve ser) como se ela, a escritora belga, fosse a única cuja obra domina. Ele percebe a rasteira, e atira Tchékhov. Xeque-mate.

Mais à frente (a entrevista tem 12 páginas), a propósito dos novos autores nacionais, MST é levado a reconhecer que talvez não conheça tão bem quanto julga a obra de José Eduardo Agualusa. "Tenho a presunção de ter sido quase o [seu] descobridor, quando li aquele que para mim, até hoje, ainda é o melhor livro dele, o primeiro, a Estação das chuvas", disse. Acontece que este livro (meio romance - meio biografia), sobre a poetisa angolana Lídia do Carmo Ferreira, desaparecida em 1992, foi o quinto do escritor angolano, e não o primeiro, como julgou MST - nem sequer o quarto, como rectificou Carlos Vaz Marques.

Sobre António Lobo Antunes, MST diz-se e desdiz-se. Tão depressa foi "grande admirador" dele, porque ele terá sido um "inovador, no início", como desafia alguém a lembrar-se do nome de um dos seus personagens ou a conseguir caracterizá-lo. Sobre José Saramago, não resiste a dar-se uma importância que talvez o Nobel não lhe tenha dado. MST atribui-lhe de cor a frase: "Não me preocupa rigorosamente nada que o Miguel vá embora para o Brasil". Carlos Vaz Marques volta a rectificar. A frase de Saramago foi: "Tanto me faz que ele vá para o Brasil ou para Marte".

Seria possível desmontar ainda mais um ou outro lapso ou contradição ou pequeno deslize. Mas para mim, que adoro MST (Tiago Sousa Garcia descobriu, ainda antes de mim, que talvez MST faça mesmo parte dos meus guilty pleasures), com todos os seus lapsos, contradições, deslizes e fragilidades, a entrevista vale mesmo a pena, porque nela ele fala de si como raras vezes o temos ouvido falar: da mãe Sophia, do pai Francisco, do que reteve e aprendeu de um e outro, da infância com esses pais tão pouco "normais". E por aí fora. E ainda revela que vai mesmo acabar uma BD da qual eu julgava que ele já tinha desistido. E, hélas, uma peça de teatro!

Silent night


Afinal, não houve planetas tangíveis, próximos - nem Júpiter, nem Marte, nem Vénus. Mas quem quer ficar a olhar para o tecto quando pode olhar para o céu? Houve estrelas. Tantas. Estrelas como pirilampos. Todos ali no céu. Como se estivessem a fazer malabarismos com tochas de fogo só para ficarmos mais felizes. Podia ser o Alentejo, aquele céu. Os pirilampos são como as estrelas: vêem-se melhor em Agosto. Só que são mais raros. Cada vez mais. E, claro, não é no céu distante que voam. Ao contrário das estrelas, a luz dos pirilampos é luz de reconhecimento, de enamoramento. Os pirilampos voam pouco, mas ainda assim, voam mais do que as pirilampas, que são mais pesadas. Em compensação, elas, as pirilampas, brilham mais, para poderem ser vistas por eles. Brilham mais quando querem acasalar. É a sua estratégia de sedução. Ontem, parecia que todas as estrelas do céu estavam apaixonadas. Como se fossem pirilampos. Apeteceu-me entrar ali, em silêncio, descalça e às escuras. De mãos dadas. No céu.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Júpiter, Vénus e Marte mais perto da Terra


Esta noite o céu vai ter astros maiores do que é habitual. Júpiter, Vénus e Marte vão estar a uma distância menor do planeta azul, o que, observado da Terra, parece um céu mais estrelado do que o normal. Mas desengane-se quem diz que o fenómeno não acontece há 60 mil anos. "À vista desarmada, em 2003, viu-se apenas uma estrela pequena e pouco brilhante entre as estrelas circundantes", explicou Máximo Ferreira, astrónomo, ao i.

O fenómeno de aproximação destes planetas à Terra acontece de quinze em quinze anos, e a última vez foi em 2003. No entanto, hoje mais do que o costume, o céu estará iluminado. Júpiter começa a ver-se bem perto das 22 horas, seguindo-se Vénus e só depois Marte, cerca das 3 horas da manhã.

"O que aconteceu em 2003 deve voltar a acontecer em 2018", sublinha José Matos, formador e divulgador ao i. Apesar de não ser um acontecimento marcante, é de aproveitar: afinal, não é todos os dias que se pode dar ao luxo de passar a noite a tentar identificar planetas no sistema solar. Portugal vai observar de perto o fenómeno e as principais instituições de observação de astros abrem portas ao público. No entanto, apesar dos rumores, o planeta vermelho não ficará do mesmo tamanho da Lua, mas 300 vezes menor.

http://www.ionline.pt/conteudo/20208-nao-perca-noite-hoje-jupiter-venus-e-marte-estao-mais-perto-da-terra

terça-feira, agosto 25, 2009

Viagem ao fim da noite

"Os seres, os países e as coisas acabam em cheiros. Todas as aventuras terminam pelo nariz. Eu fechara os olhos porque realmente já não podia abri-los. E então, noite após noite, o cheiro picante de África foi-se diluindo. Começou a ser cada vez mais difícil reencontrar a mistura intensa de terra morta, de entrepernas e acafrão pilado".
Louis-Ferdinand Céline

O twist de Elisa Ferreira

Elisa Ferreira pode até nem ganhar as eleições para a Câmara do Porto, como prevêem as sondagens publicadas até agora. Mas as soluções que tem sucessivamente apresentado para a cidade mostram: 1) que ela vale mais sozinha do que o aparelho socialista do Porto, do qual conseguiu, felizmente, desinvecilhar-se; 2) que ela não desistiu, o que não é facil num cenário onde quase tudo lhe tem corrido mal, a começar pela estratégia de comunicação; 3) um programa eleitoral pensado, sustentado, viável, ambicioso e sobretudo menos preocupado com os votos do que com a qualidade de vida da cidade e consequente progressão social das pessoas. As soluções que apresentou ontem para a área da educação (lembrem-me, por favor, de uma única medida educativa de Rui Rio em oito anos...), repletas de projectos para retirar a população da pobreza a que se habituaram a estar condenadas - pobreza de espírito! - hão-de render-lhe poucos votos, mas fazem voltar a ter vontade de viver nesta cidade, caso ela a liderasse; 4) a lista que apresentou é absolutamente surpreendente e notável. Não podia ser mais distante do mais-do-mesmo. Tem apenas um defeito que a pode matar: caso o PS vença, todos os elementos ocuparão os devidos lugares; caso perca, poucos parecem dispostos a assumir a oposição. É pena. Por duas razões: primeiro, porque não pode haver corridas inconsequentes, mesmo quando se perde; segundo, porque ficaremos sempre a remoer no que poderia vir a ser o Porto se aquelas pessoas, as dela, quisessem realmente dar o seu contributo, independentemente do lugar que viessem a ocupar (e se Rio aprendesse as regras da boa convivência, claro!)

Íntima Fracção


"Baía dos porcos": Viajo na luz, toda a noite, todas as noites, para chegar à conclusão do inexpressivo segredo do mundo ... e calo-me. Pouco para dizer, muito para escutar e tudo para sentir.

segunda-feira, agosto 24, 2009

O tempo de vida de um segredo

O segredo é, de todas as coisas da vida, o elemento que tem a vida mais curta. Tão curta que quase não faz sentido chamar-lhe segredo. Não é segredo o que guardamos só para nós. O que guardamos só para nós terá outro nome, igualmente romântico e profundo e importante, mas não é um segredo. Um segredo, para ser segredo, tem que ser partilhado, confiado a alguém. A alguém que se compromete a não o partilhar com mais ninguém. É como se o segredo, para existir, precisasse do medo de poder ser quebrado. Quase como o amor. Não há amor verdadeiro sem esse verdadeiro medo de o perder.

Não é a informação partilhada que torna o segredo valioso. É a pessoa com quem ele é partilhado. É quem o ouve que o valida, que lhe confere importância. Um segredo quebrado é como um amor que não resultou, que falhou. Se o segredo não for quebrado, se for guardado, acarinhado, protegido, é como um amor que dura a vida inteira. Mesmo que não se veja. E o que é realmente importante raras vezes é visível por fora.

sexta-feira, agosto 21, 2009

E ainda dizem que Manuela Ferreira Leite não tem sentido de humor!...

E eis que quando a entrevista acaba, Judite de Sousa, louríssima platinada, que acabara de perguntar a Manuela Ferreira Leite se alguém já lhe havia sugerido a mudança de cor de cabelo, debruça-se sobre a mesa e pergunta, julgando-se em off: "Foi gira esta última pergunta, não foi?" Manuela Ferreira Leite acena a cabeça, sorri, diz que sim.

quinta-feira, agosto 20, 2009

O passado da tua ausência

Tu eras o rapaz mais bonito da universidade. Soube-o mal te vi. Magro, moreníssimo, os olhos rasgados, cheios de luz, lindo até onde não é possível ser-se. E aparentemente tão alheado de tudo, uma aura de magia, de mistério à tua volta. E cheiravas tão bem. Ninguém cheirava como tu, usavas um perfume que ainda não tinha chegado a Portugal. E esse odor sabe-me sempre a ti, ainda hoje.

Lembro-me da primeira vez que te vi, já passaram quase 15 anos: tu dentro de uma t-shirt laranja, a tua pele a contrastar com a cor do algodão, tu ali sentado, sozinho, naquele degrau do edifício lateral, em frente à cantina ou ao quiosque ou lá o que era aquilo. Irremediável, instantaneamente rendida a ti, quem quer que tu fosses. Mas senti que te perdi logo ali. Porque lembro-me de te procurar, procurar, procurar e nunca saber onde estavas, de que curso eras, de onde vinhas, onde paravas. Nunca-nunca sabia de ti. Até que comecei a tropeçar em ti, aqui e ali. Podia lá imaginar que não era por acaso! Os olhares a cruzarem-se, os olhares a não se desviarem, os olhares a fixarem-se.

Lembro-me da primeira vez que falámos, numa sexta-feira ao fim da tarde, antes de cada um de nós apanhar o autocarro para o fim-de-semana. Não me lembro o que dissemos, mas lembro-me da felicidade desse dia e, claro, do teu cheiro. Não havia telemóveis, nem sms, nem internet, não havia nada para trocar. Um dia, muitos anos depois, comprei um frasco daquele perfume por tua causa. Ainda o tenho, está intacto. É uma espécie de santuário onde estás. Onde está o que ficou de ti. O que ficou de ti para mim.

Lembro-me de estar em tua casa, que era também a casa daquele fulano meio esquisito que tinha um cão enorme e que fazia plantação de cogumelos. Lembro-me do teu quarto. De uma noite inteira. De te dizer que a tua barriga parecia uma tablete de chocolate. E parecia mesmo. E lembro-me das tardes passadas em minha casa a estudar, da tua paciência, da tua bondade comigo. Da tua gargalhada. Podíamos ter ficado ali para sempre. Mas talvez eu ainda não soubesse o que era querer uma coisa para sempre. E um dia foste embora. Sem te despedires. Sem avisar. Nesse dia, perdi-te mesmo. Não sei precisar como ou quando ou de que forma. Nem sei precisar o dia em que dei conta. Talvez não tenha sido logo. Mas quando percebi, inquiri todos os teus amigos vezes e vezes sem conta. Mas ninguém parecia saber muito bem onde estavas. Ou não queriam dizer-me. No fundo, todos achavam que eu tinha sido má contigo. Não sei se fui. Mas talvez por isso, por teres ido embora sem avisar, fiquei sempre com a sensação de que, desde que te conheci, passei a vida inteira a procurar-te. E, às vezes, a procurar-te da forma mais desonesta, que era procurar-te nos outros. Nunca deixei de te procurar, nem mesmo quando não fazia a mais pequena ideia de onde estavas, ou depois, quando já sabia vagamente que tinhas abandonado o curso e o país.

Depois, a minha memória de ti fica mais difusa, dispersa, enevoada. É pouco cronológica, aparece em fragmentos: de cheiro, de voz, de bilhetes, de momentos fugazes.... Associo tanto a ti, desde sempre, a expressão (que nem sequer é uma expressão) "estrela cadente", que parece que não só a inventaste, como inventaste as próprias estrelas cadentes. Se calhar porque fomos sempre apenas isso. Uma estrela cadente. Guardo um bilhete teu onde me falas disso, onde me falas do rasto de um cometa. Passámos um pelo outro a correr. Cruzámo-nos quantas vezes, sabes? A minha memória de ti tem sobretudo a ver com a minha procura de ti. No Insólito, no Deslize, naquele bar ao lado do BA, ou no café da frente, ou no bar no CP2 ou sei lá eu! A minha procura de ti numa altura em que já não era possível encontrar-te. Um dia, numas férias de Natal, decidi escrever uma carta para casa da tua mãe. Imaginava que, mais cedo ou mais tarde, acabarias por lê-la. Não só a leste como me respondeste logo a seguir. Quase não conseguia acreditar que ainda te lembravas de mim. Que te lembravas de tudo. Que tinhas estado sempre lá, ao pé mim, no coração. Fiquei mais feliz do que saberia agora explicar-te. Ficámos amigos, claro. Amigos de verdade.

Mas nunca mais de vi. E se eu te procurei!... Sobretudo nos teus amigos. Sinistro caminho de compensação. Até tropeçar em ti, em 2001, já numa outra cidade, num centro comercial, o mais improvável dos locais para um reencontro. Tu costumavas dizer que eu era "a menina dos cabelos a arder". E naquele dia, por um momento em que tudo me pareceu extraordinariamente estranho e confuso, eu quis poder ser o que nunca fui: a tua menina. Dos cabelos a arder. Ah, mas o tempo... E a certeza, mais clara do que antes, de que nunca soube quem és de verdade. Muito menos tu quem eu sou realmente. E, apesar disso, a certeza infinitamente maior de que vou gostar sempre, sempre, sempre de ti. Sejas tu quem fores. Mesmo. Como quando tinha 17 anos. Como quando te vi pela primeira vez. Como se o tempo tivesse parado aí. Porque definitivamente não é o que sabemos das pessoas que nos faz gostar mais ou menos delas. Sobretudo não é a vida partilhada a par e passo. É o que delas se torna tatuagem, cicatriz, marca inesquecível. Insubstituível.

Voltámos a falar no ano passado. Por telefone. A tua voz igualzinha, aquele teu irresistível sotaque absolutamente igual. Mas nem aí nos vimos. Combinámos um pequeno-almoço, mas eu achava que tu não ias acordar, que não querias acordar. E por isso também eu não acordei. E quando me ligaste a perguntar se eu me tinha esquecido, já era tarde para sair de casa e ir ter contigo. Tu tinhas um comboio ou um avião para apanhar. Um de nós nunca chegaria a tempo. Depois, na noite em que o mundo mudou, nós estávamos lá os dois, os dois no Grand Parq, em Chicago, nós e mais uns largos milhares a aplaudir o Obama, eu sei. Mas não nos vimos. Não tive coragem de te ligar.

E agora tu reapareces assim do nada, a dizer-me que vamos ser vizinhos por um ano, talvez dois ou mais. Mas não vamos. Já não vamos. Ainda não é desta que a minha cidade voltará a ser a tua. Embora eu vá continuar a procurar-te. E a guardar-te. Sempre.

sábado, agosto 15, 2009

Isabel Alves Costa 1946 - 2009

[Foto: Fernando Veludo]
Eu gostava da Isabel Alves Costa. E não há nada mais triste do que referirmo-nos a alguém usando este tempo verbal. Porque geralmente significa que a pessoa já cá não está. Ela deixou hoje de estar. Gostava dela. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que com ela falei, algures em 2001, tinha ela ainda direito a um escritório no Teatro Rivoli, cheio de livros e revistas e pessoas. E entusiasmo pelo trabalho. E lembro-me da última vez que a vi, nós as duas no bar de um Alfa, as duas a sair de Lisboa em direcção ao Porto.

Tínhamos conversas curtas, doces, mais ou menos sempre sobre a mesma coisa: teatro. Nos últimos anos, ela perguntava-me sempre quando é que eu voltaria a escrever sobre teatro, dizia que lia o blogue, este, e eu ficava um bocadinho embaraçada. Trocávamos opiniões sobre o conteúdo do "Melhor anjo", o blogue, esse sim, verdadeiramente bom, sobre teatro, do Tiago Bartolomeu Costa, e que só conheci por causa dela. Porque, um dia, em conversa, ficou espantada por eu não o conhecer e disse que eu tinha mesmo que o ler. Soletrou a morada, um dia, ao telefone, para eu não me esquecer. Nos últimos anos, eu perguntava-lhe quando é que ela voltava. Quando voltava, mas a sério. E despediamo-nos sempre da mesma forma: ela pedia-me para eu não ficar triste, porque este tempo mau haveria de passar e eu haveria de voltar a escrever sobre cultura, e eu pedia-lhe o mesmo, para ela não ficar triste, porque este tempo mau haveria de passar e ela voltaria a ter os projectos dela da forma honrada que ela merecia.

Gostava de Isabel Alves Costa. Daquela espécie de fragilidade. Gostava dela, mesmo quando discordava dela. Mesmo quando me desapontou ao aceitar, de alguma forma, colaborar com Rui Rio. E hoje que ela já cá não está, sinto uma tristeza imensa por vê-la desaparecer desta forma. Numa cidade que lhe deve o que seguramente nunca mais lhe poderá pagar. Porque ela não merecia ter passado pelo que passou nos últimos anos. E agora será sempre tarde.

Calor algarvio faz mal a Aguiar Branco

O papel de José Pedro Aguiar-Branco na anual festa laranja no Pontal parecia ingrato: fazer esquecer a ausência da líder do partido, que nem sequer foi convidada. O caminho mais fácil seria criticar o Governo. Foi o que fez. O PS reagiu. E bem.

Coube a Vieira da Silva, ministro da Solidariedade e coordenador da campanha eleitoral do Partido Socialista, repudiar as afirmações proferidas anteontem à noite, no Algarve, pelo vice-presidente do PSD. Aguiar-Branco, num discurso que tradicionalmente caberia a Manuela Ferreira Leite – a líder do partido falhou o ano passado, perdendo o direito a ser convidada este ano, que Mendes Bota recusa “levar duas tampas da mesma rapariga” –, acusou o governo de José Sócrates de estar “sob suspeita”, de ter uma visão “retrógrada”, “sovietizada” e “clientelar” do país, de “desprezar as pessoas”.

Em conferência de imprensa marcada ontem para o final da tarde, propositadamente para reagir às declarações do PSD, Vieira da Silva considerou-as “graves” e sublinhou que “marcam um tom para o debate eleitoral que o PS repudia de forma clara.” Tentando fazer a leitura do discurso de Aguiar Branco, nomeadamente quando afirmou que o governo está “sob suspeita”, o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social notou que essas declarações “indiciam uma estratégia de recurso a insinuação, à maledicência e ao combate político ao seu mais baixo nivel.”

Consciente de que o papel de Aguiar Branco na festa de Mendes Bota não seria o mais confortável – Mendes Bota e Manuela Ferreira Leite não se entendem – Vieira da Silva aproveitou para explicar aquele discurso à luz dos desentendimentos internos dos sociais-democratas. “Se o PSD tem dificuldades, que são conhecidas, de apresentar aos portugueses algo que se aproxime minimamente de um programa político; se o PSD tem problemas, que são visíveis, de instabilidade interna, que não tenha ilusões: não é o regresso à política da difamação ou o regresso aos ataques de carácter que servirão para esconder esses problemas.” E rematou: “Esse é um caminho inaceitável que não está à altura dos desafios e dos problemas com que Portugal e os portugueses se defrontam.”

Vieira da Silva salvaguardou ainda que o PS “não teme qualquer campanha ou estratégia dos adversários”. Mas nunca se inibirá de “denunciar o recurso a campanhas negras, que só servem para degradar a vida democrática e afastar os portugueses das decisões eleitorais.” Finalmente, fez um apelo “a um debate sério e responsável”, garantindo que jamais cederá à política do vale tudo”.

Marcelo Rebelo de Sousa


"Quem mais recebe mais deve dar. Eu costumo dizer que a vida é uma espécie de rally paper que vou fazendo em que vou contando pontos. De cada vez que faço alguma coisa errada perco pontos e depois tenho de os recuperar. Portanto, quando tenho disponibilidade para uma coisa, mesmo que seja uma estopada ou alguma coisa mais penosa, recupero uns pontinhos... poucos, para compensar os que vou perdendo! (...) Um erro crasso é, por exemplo, ser injusto. Criticar uma pessoa e depois chegar à conclusão de que a crítica era injusta, ou não ter uma atenção com alguém que estava a precisar. Aí perco pontos, como é evidente. (...) O José Miguel Júdice costuma dizer de mim o seguinte: a minha superfície é boa, a minha camada intermédia dá a sensação de ser má, mas o fundo é bom. Neste sentido, sou extrovertido, sou sociável, dou-me bem com as pessoas e faço este esforço de disponibilidade. Acho que tem a ver com o sentido da vida.

É por estas e por outras que não posso não gostar do Miguel Sousa Tavares

"(...) Estão no Facebook porque não conseguem enfrentar a solidão e vivemos um tempo em que, quanto mais se comunica, quanto mais se fala, quanto mais se apregoa, mais a solidão é funda e irremediável. E o Facebook é o instrumento para criar a ilusão de que não se está sozinho, mas acompanhado por uma vastidão de amigos. Basta escolher um perfil, carregar num botão e esperar que um desconhecido nos aceite como amigo. E, se esse não aceitar, há mais uns milhões, o universo todo, para tentar de novo. Quem disse que é difícil fazer amigos? Que é difícil encontrar pessoas interessantes? Que, hoje em dia, não há tempo para conhecer pessoas novas? Que as relações humanas são complicadas? Eis o instrumento que veio pôr fim a tudo isso. Agora, com o facebook, só está só quem quer. Esta explicação eu entenderia: é séria, é real, é humilde. Só que, essa, ninguém a dá.

(...) É isso o que mais me preocupa: será que sobra alguém para fora, onde também continua a ahaver vida, embora sob outra forma? Será que sobra alguém que se possa e valha a pena encontrar num café, num cinema, numa praia, num aeroporto? Ou vai tudo viver, envelhecer e morrer agarrado ao Facebook, sob o desagradável olhar de todos os outros?"
[Crónica no Expresso, hoje, "Let's face it"]

Saudades de Ferro Rodrigues


Já está preparado para voltar a viver em Portugal?
Sim, se se proporcionar.

Como interpreta a ausência de Manuel Alegre nas listas?
Há várias pessoas que não estão nas listas porque não querem estar. E é o caso. (...) É uma pena que haja quem se autoexclua da questão fundamental que se vai colocar aos portugueses no dia 27 de Setembro: que Governo é que os portugueses querem?

Não havendo maioria absoluta, qual a solução de Governo que advoga?
Uma solução política que não passe por uma maioria parlamentar é uma solução precária e negativa. Um governo minoritário só deve acontecer em último recurso.

Fala de acordos de incidência parlamentar ou de coligações de Governo?
As coligações são instrumentos de governação normais na maior parte dos países da Europa, não percebo porque é que em Portugal há pavor de coligações! Se o PS vencer as legislativas sem maioria absoluta deve desafiar o PCP e o BE. E no caso dessas negociações não conduzirem a nenhum resultado deverá virar-se para o PSD.

Ainda sobra o CDS.
É a solução a não colocar. Fico perplexo quando vejo a continuação do discurso contra medidas como o Rendimento Mínimo Garantido - se não existisse, hoje haveria dezenas de milhares de pessoas na pobreza.

O que pensa do debate em torno dos grandes investimentos públicos?
A questão que se coloca é a maneira de Portugal fugir a uma situação de periferização. Por isso, faz-me confusão que se possa admitir que faz sentido não ter linhas de alta velocidade que nos liguem ao resto da Europa. Faz-me confusão colocar a discussão sobre o novo aeroporto como se colocava há 30 anos. Um grande aeroporto é hoje um elemento estratégico de organização territorial e de articulação do país com o resto do mundo. Do ponto de vista do financiamento, é claro que as questões têm de ser estudadas. A análises custo/benefício é algo que leva a uma responsabilidade política de quem decidir.

[Entrevista ao Expresso, hoje]

sexta-feira, agosto 14, 2009

Eu também


"Agora seria uma extravagância, mas espero um dia poder fazê-lo: comprar uma quinta no meio do Alentejo e andar descalça o dia todo. Cresci no campo e é lá que quero regressar."
Rita Red Shoes, hoje, em entrevista ao I

quarta-feira, agosto 12, 2009

Ao Deus dará

Ao Deus dará. Ouvi esta música ontem de manhã quando ia a entrar no comboio. Pareceu-me o Armando Teixeira, mas não tive a certeza. Não liguei. Ouvi esta música hoje de manhã quando ia a entrar no carro. Voltou a parecer-me o Armando Teixeira, mas não tive a certeza. Reconheci a música: era a mesma de ontem. Fui procurar, vasculhar, até encontrar. Era. Armando Teixeira, Balla. E tem letra do Miguel Esteves Cardoso. Fiquei viciada na música, vá lá saber-se porquê.

Vai-te embora
Vai-te embora já

Eu não gosto de ti
Mas tu gostas de mim
Toda a gente de quem gosto
se apaixona por ti

Eu não gosto de amar
nem que gostes de mim
é o teu vai-e-vem
que faz pouco de mim

Ao Deus dará
tu atiras-te a mim
eu só quero fugir
do que queres de mim

Eu não posso negar
que sou doido por ti
É uma coisa mental
Que notaram em mim

terça-feira, agosto 11, 2009

Boomerang do amor

O amor assim é um pássaro com uma asa quebrada. Assim inconsequente, sem palavras, sem promessas, sem céu, sem o para sempre. O amor, para ser amor, tem que ser boomerang. Um diz: "Eu gosto de ti". E o outro responde: "Mas eu gosto mais". E o primeiro insiste: "Não, eu é que gosto mais". O amor, quando é amor, é um despique permanente por amar mais, amar melhor, sofrer mais, sentir mais. Mais saudades, mais desejo, mais tudo. E tudo à flor da pele. O amor, quando tem uma asa quebrada, não voa. E o amor, para ser amor, tem de voar. Ele não vive com o amor da vida dele. Ele vive com o amor que sente pelo amor da vida dele. E não sabe viver sem nenhum dos dois.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Musil: Três mulheres

Para quem nunca teve coragem de aventurar-se pelos dois volumes de "O homem sem qualidades" (1930-1942), de Robert Musil, obra maior do austríaco definida como um anti-romance, publicada em Portugal numa tradução de João Barrento, mas tem vontade de o fazer, pode apenas começar por "Três mulheres" (1924). O livro é pequeno, foi escrito antes do outro e reúne três contos, um deles, vagamente hilariante, sobre uma portuguesa.

quinta-feira, agosto 06, 2009

Alentejo

Se eu tivesse um monte no Alentejo, faria do terreno um observatório de céu. De estrelas. Também cadentes. Ver o céu do Alentejo à noite é melhor do que qualquer parque de diversões, do que qualquer centro de astrofísica. O céu do Alentejo à noite é uma bola de espelhos viva ao ar livre.

quarta-feira, agosto 05, 2009

O homem que tinha um buraco no coração

Ele não queria ser amado pela mulher que o ama há 40 anos. Não queria ser amado pela rapariga, muito mais nova, que também o ama. Não queria ser amado pela namorada que teve num intervalo do casamento e que ainda o ama. Não queria ser amado pela colega com quem um dia foi para a cama e que ficou a amá-lo. Nem por todas as amantes que sucessivamente foi substituindo e que não conseguem não o amar. Ele só queria ser amado por todas as mulheres que deixaram de o amar.

terça-feira, agosto 04, 2009

Razões para amar o MEC

Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.~

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra.· O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.

Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina.

O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra.

A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não.

sábado, agosto 01, 2009

Teremos sempre Paredes de Coura

Começou em 1993. Para nós, só em 1999. deus. gomez. bellatrix. madame godard. phase. suede. lamb. rae & christian. the gift. sequoia. guano apes. sneaker pimps. mogway. pinhead society. 2000. The The. Sofa Surfers. Yo la Tengo. Clã. Bad Religion. Ash. Walkabouts. More Republica Masónica. Mr. Bungle. ColdPlay. Flaming Lips. Mão Morta. Sloppy Joe. 2001. Papa Roach. Stone Temple Pilots. Queens of Stone Age. Zen. Morcheeba. The Gift. Rádio Macau. Backyard Babies. Coldfinger. 3 Doors Down. Da Weasel. The Wraygunn. Caffeine. 2002. dj Nel'Assassin. Tabanka Jazz. MicroDjamboonda. Korn. Incubus. Counting Crows. Trust Company. Puddle of Mudd. Breed 77. Sam the Kid. Ez Special. Gotan Project. Cousteau. Ras Sonar . Kollektiv. Pop dell' art. Casino. Lee Scratch Perry. Mad Professor. Twilight circus. Terrakota. Bob Figurante. 2003. Mind da Gap. Jet Lag. Tim Tim por Tim Tum. Alpha. Blondy Sizzla. Terrakota. One Love Family. Placebo. P.J. Harvey. Yeah Yeah Yeahs. Good Charlotte Calla. Radio 4. The Cardigans. Mew. Blasted Mechanism. X-Wife. 2004. Los de Abajo. Magnus. Scissor Sisters. Jon Spencer. Blues Explosion. Snow Patrol. Arrested Development. Motörhead. Mondo GeneratorDKT-MC5. Mão Morta. Black Rebel Motorcycle. ClubThe KillsMark Lanegan Band. Wray Gunn. Kelis Mike Patton & Rahzel. Da Weasel. Dealema. 2005. Sons and Daughters. Foo Fighters. Death from Above 1979. The Bravery. Kaiser Chiefs. The Unplayable Sofa Guitar Mpxp. Pixies. Queens of the Stone Age. The Roots. Arcade Fire. Hot Hot Heat. The Futurhead. Nick Cave & The Bad Seeds. Vincent Gallo. Juliette Lewis & the Licks. Woven Hand. The National. Complicado. 2006. Fischerspooner. Morrissey. Broken Social Scene. Madrugada. Gomez. White Rose Movement. Bloc Party. Yeah Yeah Yeahs. Gang of Four. Eagles of Death Metal. We Are Scientists. The Vicious Five. Bauhaus. The Cramps. !!!. Shout Out Louds. Maduros. 2007. Simian Mobile Disco DJ Fra Nitsa Club Sizo. Devotchka. BabyShambles. M.I.A. Blasted Mechanism. Sparta. New Young Pony Club. Zappa Low Budget research Kitchen. Slimmy. The Blows. Crystal Castles. Guns n'Bombs. Dinossaur JR. New York Dolls. Mão Morta. Architecture in Helsinki. Gogol Bordello. Spoon. 2008. Sex Pistols. Mando Diao. Bellrays. X-Wife. Bunnyranch. Primal Scream. Editors. The Rakes. Two Gallants. The Long Blondes. The Mars Volta. dEUS. The Pigeon. Detectives. Wraygunn. Spiritual Front. Sean Riley & the Slowriders. Thievery Corporation. The Lemonheads. Biffy Clyro. Tributo a Joy Division. Au Revoir Simone. Ra Ra Riot. 2009. Franz Fredinand. Nine Inch Nails. The Hoves. Supergrass. Peaches. Jarvis Cocker. The Horrors. Howling Bells. The pains of being pure at heart. Blood red shoes. The right ones. Mundo cão. Foge Foge Bandido.