segunda-feira, janeiro 12, 2009

O primeiro julgamento

[pintura de Forain Jean, no Museu d'Orsay, em Paris]


Não serão muitos, mas haverá certamente alguns bons motivos para acordarmos com alegria no Inverno de Janeiro às oito horas da manhã. Um julgamento, sobretudo se nele formos arguidos, não é um deles. Mas é esse o motivo que nos fará acordar amanhã. Daqui a umas horas estaremos a entrar num tribunal para perdermos a nossa virgindade jurídica. E, de alguma forma, a nossa ingenuidade. Somos acusados de difamação, processo crime. Se não conseguirmos provar a nossa inocência lá teremos que puxar os cordões à bolsa: 25 mil euros de indemnização. Podia ser pior? Temos dúvidas.


Um sujeito acorda um dia de manhã com os pés de fora, desconhece-se se às oito horas, se a hora mais lúcida, e decide criar um canal de televisão. Malta do Norte, ciosa do seu território, cidade Invicta, os sonhos todos postos no sotaque que, acreditam, um dia há-de fazer ver a Lisboa quem é que afinal trabalha e cria neste país. Dá-lhe nome, dá-lhe forma, compra material, aluga espaço, contrata equipas, técnicos, jornalistas, comentadores da praça. Tudo em grande. Mas esquece-se que um dia, cedo ou tarde, haveria de pagar o sonho. Óooooo....


Chegam os primeiros cheques sem cobertura, as reclamações dos fornecedores, a suspensão do material, a equipa toda a debandar dali para fora. Investigamos o assunto, narramos os factos e damos-lhe um nome: Burla. [Dicionário: ludíbrio, dolo, trapaça, intrujice, trampolinice, logro, tratantada, fraude, tratantice.] O sujeito do canal burlou as pessoas que contratou porque as enganou. Porque lhes passou cheques sem ter dinheiro, porque protelou ad nauseum o pagamento e as explicações, porque desapareceu do telemóvel, porque já ganhou dinheiro com o material que entretanto vendeu a terceiros sem nunca o ter chegado a pagar. Porque assegurou aos funcionários que seriam ressarcidos pelo seu trabalho e até hoje nunca o fez. Porque os fez acreditar que aquele projecto teria sustentabilidade financeira, o que não era verdade. Sequer em sonhos.


Parece tão fácil provar a nossa inocência, a nossa boa fé, a nossa isenção e rigor, que o assunto parece ser feio e feito de favas contadas. E, no entanto, não é. A lei diz que dever dinheiro - cem euros ou cem milhões - não é crime. Cheques sem cobertura também não. E, aparentemente, falhar à palavra dada, e em alguns casos dada por escrito, muito menos. Crime é dizer que alguém deve dinheiro. E à dívida colar um rótulo: Burla. Claro que nem toda a gente que deve dinheiro é criminosa, sequer desonesta ou pessoa má. Mas que raio se chama afinal a um sujeito que há mais de dez anos anda a criar e a afundar projectos sem ter um tostão furado, arrastando para o seu lamaçal quem quer e precisa trabalhar e ser pago por isso?

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