sexta-feira, outubro 26, 2007

Gabriel Garcia Marquez: Memórias das minhas putas tristes


A única memória inequívoca no primeiro dia dos seus 90 anos confrontado no tribunal da sua consciência: nunca se havia apaixonado. O velho jornalista, limitado agora a uma crónica dominical no jornal de uma vida, nunca havia sentido no peito a opressão que provoca o amor. Tivera muitas mulheres, demasiadas, mas nunca nenhuma a quem não tivesse pago. “O sexo é o consolo de uma pessoa quando lhe falta o amor”.

Para o derradeiro consolo, deseja algo novo: uma criatura virgem. Mas o destino troca-lhe as voltas, e o homem que “sempre tinha pensado que morrer de amor não passava de uma liberdade poética”, sente, pela primeira vez, “o prazer inverosímil de contemplar o corpo de uma mulher adormecida sem as pressas do desejo”. E a vontade maior de que a vida pudesse ainda reservar-lhe outros 90 anos para sorver aquela sensação.

Gabriel Garcia Marquez está todo dentro das 114 páginas de “Memória das minhas putas tristes”. Regressou ao romance em 2005, que não publicava há dez anos, desde “Notícias de um sequestro”, e regressou, de certa forma, à autobiografia, iniciada com o primeiro de três volumes de “Viver para contá-la”. Apaixonado, sábio como sempre, nostálgico, melancólico e metafórico, o escritor columbano, Nobel da Literatura em 1992, faz um ajuste de contas público com os anos que já não voltam. A palavra “memória” é mais importante do que tudo o resto, e sobretudo mais importante do que o resto do título sugestivo, porque é dela que agora se ocupa quase em regime de exclusividade. Na ficção e na vida real.

Para cumprir o seu desejo em dia de aniversário, o velho jornalista procura Rosa Cabarcas, dona do bordel do qual foi cliente assíduo desde a adolescência, solicitando-lhe o selo de castidade de uma das suas raparigas. Delgadina será a eleita. E a responsável pela descoberta de tudo o que já não julgava provável na curva descendente da existência. “Foi algo novo para mim. Ignorava as manhas da sedução e tinha sempre escolhido ao acaso as namoradas de uma noite, mais pelo preço do que pelos encantos, e fazíamos amor sem amor, semivestidos a maior parte das vezes e sempre às escuras para nos imaginarmos melhores”. A menina que nunca resiste ao sono quando o homem chega, e o obriga a esperar noite após noite por um sinal de vigília, inicia-o na única experiência que desconhecia em absoluto: o ardor do ciúme e o desespero da nostalgia polvilhado pelo olhar incessante para o telefone como se fosse um jogo em que os pontos chegam sob forma de um toque.

O amor, mesmo que doa, ou o sexo sem obrigações? “Não teria trocado por nada do mundo as delícias do meu pesar. Tinha perdido mais de 15 anos a tentar traduzir os cantos de Leopardi, e só naquela tarde os senti a fundo: “Ai de mim, se é amor, quanto atormenta”.

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