terça-feira, janeiro 30, 2007

Raul Brandão


Não é novo: é verdade que não me conformo com a falta de popularidade de Raul Brandão, espécie de Dostoievsky português. Por estes dias, a Relógio D'Água fez de mim uma pessoa mais feliz ao reeditar, na colecção "Obras Clássicas da Literatura Portuguesa - Séc. XX", um dos meus livros de eleição, que nunca consegui ter senão por fotocópias: "A morte do palhaço e o mistério da árvore". Com um bónus precioso: "História dum palhaço (A vida e o diário de K. Maurício). A edição, na verdade, é de Novembro de 2005. Por alguma estranha razão, só a descobri agora.
História dum palhaço
"Vi que a multidão é má e se ri e se despedaça, indiferente, criaturas; vi que há homens tão desgraçados que, se têm dores, são ridículas. As suas amarguras fazem rir a multidão. Nascem para sofrer, eternamente perseguidos, encolhidos, habituados até á desgraça... Outros têm na vida um método e vão por aí fora e tudo subordinam às suas ideias, torcendo a vida para que ela caiba dentro de regras. Riem, choram, atropelam-se. Sofrem e fazem sofrer".
A morte do palhaço
"Encontro a dor no fim de tudo. Não vou para um prazer sem pensar no fim, na desgraça em que tudo se aninha, no tédio de ter realizado... E na minha alma se fez pouco a pouco um grande vácuo, um amargo tédio por a vida ser só isto, por o sol brilhar de uma só forma e por já ter imaginado todas as coisas... E no entanto eu não vivi senão por imaginação... Deixa-me explicar-te isto melhor: é como se eu fosse composto de diferentes seres, cada um com as suas ideias, os seus sonhos e as suas ilusões, e por cada tarde que finda, na luz que cerra os olhos, um desaparecesse para sempre, levando-me uma parte de ventura e de tristeza... Eu nunca estou só. Quando me isolo é que estou mais acompanhado."

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