sexta-feira, julho 22, 2005

Pedro Berhan da Costa

"Pedro Roseta poderá ser a próxima vítima"


Regressa à advogacia depois de sete anos à frente do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM), de onde saiu a semana passada "magoado, mas tranquilo". Na primeira entrevista após a demissão, Pedro Berhan da Costa considera-se um homem "paciente", mas se o obrigam a atacar fá-lo "sem economia". A incompatibilidade com o secretário de Estado da Cultura, José Amaral Lopes , um homem "sem coluna vertebral", levou-o a pedir a demissão. O ministro da Cultura, Pedro Roseta, recebeu ontem o despacho da demissão, que aceitou de imediato. Entretanto, o JN sabe que José Pedro Ribeiro, que, curiosamente, apresentou a demissão há duas semanas, assegura a gestão corrente do ICAM.
(Entrevista de Helena Teixeira da Silva, publicada no Jornal de Notícias a 5 de Novembro de 2002)

Pautou sete anos de mandato por alguma discrição.Agora, veio dizer que o cinema português está a ser notícia pelos piores motivos...
Procurei ser discreto, mas eficaz. Canalizei o protagonismo para a instituição e para o sector cinematográfico.Neste momento, o cinema e eu próprio fomos protagonistas pelas piores razões. Impunha-se mudar de atitude para defender a minha honra pessoal. Fui alvo de um processo de calúnia que nunca julguei que me pudesse acontecer. Como não dependo de nada a não ser da minha consciência, não podia deixar de reagir, e sem panos quentes.

O atrito com o Governo cinge-se a esta recta final ou foi o culminar de um desentendimento que começou quando tomou posse, em Março?
Não faço combate político. Fui nomeado por um Governo socialista.Quando este tomou posse, coloquei o meu lugar à disposição. Foi-me reiterada a confiança. Isto não tem nada a ver com o PSD, mas com um dos seus ministros. Tive excelentes relações com os anteriores porque eram pessoas honestas.

Que relação mantém com o ministro Pedro Roseta?
Do ponto de vista pessoal, tenho a melhor impressão. Aliás, aconselhei-o a ter cuidado. Ele pode ser a próxima vítima de uma orquestração política. Se o secretário de Estado da Cultura tiver ambições políticas maiores não olhará a meios.

Apesar da demissão do vice-presidente do ICAM, José Pedro Ribeiro, garantiu que o instituto funcionaria normalmente e recusou a demissão...
Cheguei a um ponto limite. Achei que a saída dele seria um fenómeno secundário para a tutela. Percebi depois que ambos estavam combinados.Disse que a direcção continuava em funções por uma questão de responsabilidade e clareza de processos. Quando foi entregue o relatório a demonstrar categoricamente que a situação do ICAM, sendo difícil, está controlada, percebi que o ministro estava de má fé. Seria impensável continuar a trabalhar com ele.

Sentiu-se traído com a demissão de José Pedro Ribeiro, até porque é ele que vai assumir a gestão corrente do ICAM?
Todas as pessoas que trabalham comigo são escolhas minhas. Esta foi uma escolha errada. Como consultor jurídico transmitia-me alguma confiança do ponto de vista técnico. Pessoalmente achava que era sério. Enganei-me redondamente. E assusta-me que uma pessoa que se presta a ser instrumento de uma manobra, tão permeável a lóbis - e este meio está cada vez mais cheio deles -, possa assumir a presidência de um organismo.

A que tipo de lóbis se refere?
A uma coisa gravíssima que nunca tinha visto. Num concurso de apoio à criação de cinema que visava apoiar dois projectos, o secretário de Estado da Cultura mandou duas vezes a decisão para trás para reapreciação. Manoel de Oliveira ficou em primeiro lugar, Leonel Vieira em segundo e José Fonseca e Costa, em terceiro, não seria apoiado. Mas foi apoiante público na campanha deste Governo. O pedido referia-se à inversão do segundo e terceiro lugares.
Falou-se em cerca de 30 milhões de euros de dívidas. Confirma-se a pior crise de sempre?
Numa lógica calendarizada, o que o instituto vai receber chega para cumprir os compromissos assumidos. Chama-se gestão deslizante.A situação foi difícil nestes meses, mas estamos agora a dar a volta.

Porque é que a RTP, ao contrário da SIC e da TVI, fica ilibada de juros de mora?
Os montantes da RTP e os meses em dívida são muito inferiores e a proposta de pagamento foi feita em seis prestações.

Vai continuar ligado ao cinema?
Não. Volto à advocacia. Apesar de reconhecer que vou desbaratar o capital de experiência adquirido.

Esta sucessão de estreias - "A falha", "A selva", "A jangada de pedra" - fecha um ciclo?
Não. Estamos a colher os frutos de uma política de clara aposta na produção, que foi executada no cinema nestes últimos anos.Agora, devemos dar o salto seguinte que é conseguir mais público nas salas. Tinha esperança que isto pudesse ser feito sem esforço e sem comprometer o que estava para trás. Para já, parece-me que a única aposta é extinguir o ICAM.

Quem supõe que possa ser o seu sucessor, agora que Salvato Telles de Menezes recusou o convite?
Tenho a convicção de que não vai ser fácil encontrar um nome credível para presidir o instituto. Creio que o ministro vai ter que fazer quartas e quintas escolhas. Alguém que tenha sentido de responsabilidade, que faça da ética o seu modo de actuar e que seja minimamente responsável não aceitará presidir o instituto.Estamos condenados a alguém com um espírito aventureiro que irá aceitar o convite sem saber porquê. A tutela actual comprometerá sempre o trabalho de quem quer que seja. É uma fatalidade achar que o ICAM não terá dias muito risonhos pela frente.

Faz sentido a divisão do ICAM em dois organismos?
É a primeira ideia apresentada pelo secretário de Estado e é completamente disparatada. Creio que será chumbada nas finanças porque vai contra uma tendência que visa fundir e não separar.Por um lado, um instituto só para fazer a cobrança das taxas é um motivo muito pobre para a sua criação. A receita pode ser cobrada pela Inspecção Geral das Actividades Culturais, por exemplo.Apoiar a produção é o que o ICAM.

Os concursos de Dezembro estão em risco?
Não sei, mas espero que esses concursos sejam lançados, porque existe capacidade financeira para o fazer, uma vez que só terão repercussão nos próximos anos.

Que outras fontes de financiamento poderia ter o cinema português?
Poderia passar pela exibição cinematográfica, com a percentagem do preço dos bilhetes. As televisões poderiam começar a ter também uma intervenção...

Perfil
Pedro Berhan da Costa chegou à liderança do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM) em 1995. O advogado - actividade à qual vai, agora, regressar - afirma "não se assustar com contrariedades", embora admita ser paciente. Porém, autodefine-se como apto a reagir convictamente a ataques, mormente os de contexto ético. Aliás, Berhan da Costa justificou o seu pedido de demissão por discordãncias políticas, mas, também, por razões éticas.

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